quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Estive a pensar...

Embebido em um caminho dito científico
me atrevo a algumas considerações que,
por necessidade minha, aprendida, vale dizer,
ponho no papel como se, assim o fazendo,
pudesse concretizar este diálogo
com estas pessoas em mim.

Não penso no CID que automaticamente cabe na mente
acerca das personalidades múltiplas;

tampouco na genialidade do poeta português que foi tantos....
Penso, antes, nesta vivência fragmentadora que nos permeia o ser,
que rompe o que há de possível em nós
e que nos obriga, se tendemos à sanidade, à cisão.

A verdade clínica que hoje Está
é o resultado de um sem-fim de movimentos

que passaram pela magia,
pela observação,
que percorreram os anseios da Escola de Cós,
que sofreram com a cultura onde se embebiam,
que curaram,
que erraram,
que perderam e construíram.

Este movimento rastejante, serpentínico, cíclico,
o construir-se em si mesmo que tem sido esta nossa inestimável medicina, hoje Está.

A prática atual é refletida nos números,
a ciência racional é a ciência do teorizável,
do mensurável...”vejo, logo existe”; “teorizo, logo existo”.

O subjetivo passa pela estatística; o não comprovável, deixa de existir,
tal qual uma criança que ignora o que os olhos não alcançam,
a ciência subestima e mal vê o que suas técnicas não tangenciam.

Mas uma criança sonha.....

Neste caldo, imerso nesta polis imediatista,
amedrontada pela perda,
assombrada pelo tempo que se acelerou,
caminha esta nossa clínica, tão amante do bem,
sem dúvida,
mas o bem tem forma, cor e cheiro....o bem tem dosagem.

Me preocupa
qual será o tamanho desta sombra que repousa
por detrás destes castelos simétricos e conhecidos;
qual será a profundidade destas águas
onde navegam estes engenhosos navios?

Em minha prática diária vejo o caminho do humano pelo humano.
Me permito ver o ser que caminha e tropeça,
me permito ver que caminho e tropeço...
E então podemos levantar....um e outro
como dois errantes transeuntes que
puderam se encontrar.

É mais fácil ver o que há dentro da janela
quando se abre a janela....já nos ensinava o poeta:


“Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.”


Hoje estive a pensar nestas técnicas,
nestas estratégias tão vislumbradas por tantos....

e em como cada um de nós, estes pressupostos terapeutas,
estes chamados clínicos,
não podemos ser tomados por tantas teorias, estes delírios feitos verdades,
estes sonhos reducionistas da mesmice vulgar das coisas a que chamamos de estratégias terapêuticas.......mas o que é curar.......não sei.
Me preocupa que pressuponham que tenha as respostas para as doenças
se nem ao menos posso conhecer as perguntas.
Me assombra saber que esta luz da razão
gera em si mesma...a sombra da subjetividade que com tanto afinco pretendemos ignorar...mas ela não morre, tal qual o personagem de Drummond, ela é dura.....e não morre.
Sem maiores revoltas,
penso no escutar cuidadoso e sincero,
penso no toque honesto na pele,
penso no choro compartilhado,
penso nas histórias que se cruzam,
penso nestes passos que são nossos,
penso no sono perdido e no árduo trabalho,
penso no esforço deste entregar-se,
penso em mim a ser eu mesmo,

e penso.....
que a clínica do olhar profundo
da empatia sincera
não tem que ser aprendida,
tem que ser permitida,
posto que brota do infinito humano em nós
para o sem-fim humano do outro
sem números, cores ou doses.

E neste instante puramente clínico, um sorriso pode fazer tudo ganhar mais sentido....

Por Pedro Shiozawa