Uma vez posto do ponto de vista cientificista o funcionamento simplificado da estrutura sensoperceptiva, analisemos uma das obras do pintor Russo, naturalizado nos EUA, Mark Rohko que, em 1964, pinta um de seus trabalhos mais relevantes:
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“It was with the utmost reluctance that I found
the figure could not serve my purposes.
But a time came when none of us could use the figure
without mutilating it”.
(M Rothko)
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Mas afinal, onde estamos?
Acredito que este trabalho particular me é algo elucidativo do que começo a entender como memória implícita. Estamos no centro de um galpão com iluminação centrífuga. Há 4 bancos dispostos no eixo cruciforme no solo e nas paredes repousam 14 pinturas em tela negra demonstrando variações de intensidade do negro e da luz, tal qual espelhar o ambiente que nos cerca. Não há figuras tangenciáveis à sensopercepção mais concreta, há o deixar-se observar aquilo que transcende o plano da pintura, há o conectar-se com o ambiente representado na tela, com a luminosidade apreendida no quadro.
No solo terreno de pedras da capela, a configuração dos bancos nos remete à simbologia do estar na cruz: no círculo determinado pelo ouroboros, o observador pode vir a estar... pode vir a religar-se com os raios de luz, com o pulsar que há no ambiente externo e, pode vir a reconhecer neste ambiente externo, reflexo do cósmico interno. Neste ponto, da confluência dos eixos, do ir para cima e para fora da obra, podemos, então, alcançar o dentro de nós. Só o faremos se antes tiver sido nossa a experiência implícita da memória. O pintor viu, sem ver. Os quadros, tal qual janelas da capela, por onde adentraria excessivamente a luz, me fazem lembrar da cegueira branca novamente. Me faz lembrar que a nitidez pode ser cega, que o concreto pode ser fosco e que talvez, a percepção que transcende os sentidos, essa a que talvez chamemos de intuição, possa nos mostrar que o caminho do de fora para dentro talvez seja o caminho do de dentro para fora.
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"Ao longe, ao luar,
No rio uma vela,
Serena a passar,
Que é que me revela ?
Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.
Que angústia me enlaça ?
Que amor não se explica ?
É a vela que passa
Na noite que fica."
(F. Pessoa)
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