segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Refletindo sobre Sensopercepção - Parte 3

POR PEDRO SHIOZAWA

Uma vez posto do ponto de vista cientificista o funcionamento simplificado da estrutura sensoperceptiva, analisemos uma das obras do pintor Russo, naturalizado nos EUA, Mark Rohko que, em 1964, pinta um de seus trabalhos mais relevantes:

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“It was with the utmost reluctance that I found
the figure could not serve my purposes.
But a time came when none of us could use the figure
without mutilating it”.

(M Rothko)

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A Capela Rothko é uma capela não-denominacional em Houston, Texas fundada por John e Dominique de Menil. O interior serve não apenas como uma capela, mas também como local de exposição de um importante trabalho de arte moderna. Em suas paredes podem ser apreciadas quatorze pinturas negras com tons de outras cores, feitas por Mark Rothko. A forma e design da capela foram grandemente influenciados pelo artista. (Wikipédia, 2010)

Mas afinal, onde estamos?

Acredito que este trabalho particular me é algo elucidativo do que começo a entender como memória implícita. Estamos no centro de um galpão com iluminação centrífuga. Há 4 bancos dispostos no eixo cruciforme no solo e nas paredes repousam 14 pinturas em tela negra demonstrando variações de intensidade do negro e da luz, tal qual espelhar o ambiente que nos cerca. Não há figuras tangenciáveis à sensopercepção mais concreta, há o deixar-se observar aquilo que transcende o plano da pintura, há o conectar-se com o ambiente representado na tela, com a luminosidade apreendida no quadro.

No solo terreno de pedras da capela, a configuração dos bancos nos remete à simbologia do estar na cruz: no círculo determinado pelo ouroboros, o observador pode vir a estar... pode vir a religar-se com os raios de luz, com o pulsar que há no ambiente externo e, pode vir a reconhecer neste ambiente externo, reflexo do cósmico interno. Neste ponto, da confluência dos eixos, do ir para cima e para fora da obra, podemos, então, alcançar o dentro de nós. Só o faremos se antes tiver sido nossa a experiência implícita da memória. O pintor viu, sem ver. Os quadros, tal qual janelas da capela, por onde adentraria excessivamente a luz, me fazem lembrar da cegueira branca novamente. Me faz lembrar que a nitidez pode ser cega, que o concreto pode ser fosco e que talvez, a percepção que transcende os sentidos, essa a que talvez chamemos de intuição, possa nos mostrar que o caminho do de fora para dentro talvez seja o caminho do de dentro para fora.

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"Ao longe, ao luar,
No rio uma vela,
Serena a passar,
Que é que me revela ?
Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.
Que angústia me enlaça ?
Que amor não se explica ?
É a vela que passa
Na noite que fica."

(F. Pessoa)

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