quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O Chapeleiro

POR PEDRO SHIOZAWA
Enfim, o Chapeleiro.
O homem de chapéu que tanto me lembra... me lembra quem? Talvez me lembre deste eu que seríamos sem sê-lo, do poder vir a ser na prática diária de uma terapêutica torpe, apaixonadamente torpe, arraigada em seus próprios sentimentos, anseios e medos, engessada em seus conceitos: a técnica válida, sem dúvida, mas acorrentada a si mesma por nossos egos de cristal. Vejo o Chapeleiro como vejo o ideal Terapeuta, os xamãs de há pouco atrás, os guias dos rituais de passagem, os detentores do cajado que auxilia a travessia do rio, os rostos escondidos em barbas brancas ou olhares misteriosos a anunciar a possibilidade de uma luz a clarear nossos passos.

O Chapeleiro há de ser aquele que nos mostra onde está a espada necessária para matar o dragão, qual o encantamento correto para acabar com as maldições, qual a estrada de tijolos mais segura, aquele a nos testar antes da viagem, o Barqueiro a nos conduzir, aquele que conosco segue por adiante já ter ido e de lá poder voltar. Mas quem tem sido o Chapeleiro hoje? Por qual Rainha terá sido corrompido, por qual estará apaixonado? Teremos cometido o mesmo erro do rei Minos? E o Chapeleiro de hoje não pode, como nunca pode separ-se de sua esfera política, de sua necessidade em, sob o manto que usa, abdicar de si mesmo. Não há outro modo de caminhar junto, de com-viver em uma estrutura terapêutica sem que haja sacrifício, sem que o Chapeleiro se deixe aprisionar para que a Alice possa fugir e fazer seus os dias futuros e a batalha do porvir.

Os perigos da jornada (e me recordo da Rainha de Copas mandando que decepassem o Chapeleiro e este diz “mas eu já perdi a cabeça faz tempo”) hão de ser amenos àquele que por ela já passou, as intempéries do caminho serão nas mãos calejadas, mais brandas, mas é necessário precipitar-se, ir junto ao inferno do outro, se assim desejarem. No “florir casual” destes dois que “hão sempre de se tornar estranhos”, em suas certezas e medos compartilhados e por compartilhar, que possam, ambos, um, no outro, se encontrar.

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Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez,
nas águas.
Estás nu na areia,
no vento...
Dorme,
meu filho.

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Um comentário:

  1. O chapeleiro na sua loucura "lúcida" aceita o sacrifício de ficar preso no castelo da Rainha Vermelha, mas para dar conta de tal horrível missão, ele volta a fazer chapéus, seu ofício do coração. Só assim, entretido com o seu "fazer" que ele consegue forças para esperar o salvamento de Alice, sua escolhida heroína. E olha que ele faz chapéus compulsivamente para justamente a mulher que manda cortar cabeças! Vai ser graças ao fato dele usar chapéu é que o carrasco pensa ter cortado sua cabeça - um jogo ilusionista do chapeleiro e o gato- que provoca no espectador a alegria de saber que ele não morreu. Ana Brandão

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