domingo, 8 de agosto de 2010

O Gato

POR PEDRO SHIOZAWA
O Gato que acompanha os personagens em momentos fatídicos causa certo desconforto: parece apático ao restante dos acontecimentos, imerso em anseios próprios e desconhecidos. Assemelha-se ao acaso do destino a correr indiferente entre os minutos, sem perguntar as horas ou se preocupar com os cabelos brancos que marcam o fim e o começo daqueles que o cercam.
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O artista olhou a tela em branco
E com quatro cores
Criou o infinito

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Recordo-me instantaneamente de outras figuras, reapresentadas no sorriso estranhamente incomodo do gato: a serenidade do auto-sacrifício do Oráculo em Matrix, os traços de Botero, o pensamento de O Wilde, a figura mitológica de Dédalo que, conforme citou J Campbell, haveria de ser um tipo de artista-cientista, algo como um fenômeno tangenciável ao diabólico, desinteressado pelo seu tempo e absolutamente devoto de sua arte segundo a qual haveria de nos ajudar em nosso próprio caminho. Neste ponto, como não lembrar, mais uma vez do poeta:
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O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

(Fernando Pessoa)

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